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Valha-nos Santa Valentina

Ao longo do gelado mês de Fevereiro, de uma forma mais ou menos comercial, acabamos por ser atingidas pela conversa do “mês do amor” – nas aulas, as crianças falam sobre afetos, a televisão sugere momentos românticos e vemos anúncios aos mais diversos produtos, jantares de luz ténue e massagens relaxantes. Estando numa relação, podemos acusar alguma pressão para fazer qualquer coisa “especial”, não estando, e se estivermos num momento mais depressivo, podemos, eventualmente, sentir o peso da solidão. Piora nesta fase, em que atravessamos um período de medidas extremamente limitativas, no combate à pandemia mundial, o que nos isola nas nossas ilhas e nos impossibilita de socializar, estejamos ou não numa relação romântica.

Valha-nos Santa Valentina, se já não recorremos aos tinderes da vida, com boas e más experiências que fomos retirando de aplicações do género, com pessoas que habitavam armários e guarda-vestidos e outras que tinham um T4 para uma pessoa só. Na verdade, podemos, inclusivamente, falar de armários (no plural), um por cada um dos nossos estatutos na sociedade: o armário da família, da escola, das amigas, do trabalho, do ginásio, do grupo de condóminos do prédio e outros que possam surgir. Podemos ter saído de um e continuar a habitar outros dois ou três; ter saído de todos e haver quem nos queira enfiar, pelo menos, dentro de um; ou viver uma paixão tórrida no interior de um belíssimo guarda-fatos encastrado e sermos felizes.

Chamem-nos “fufas” (já disse tantas vezes esta palavra e as suas variantes, que já não soa a nada diferente de mesa ou cadeira), porém, não depreendam que pertencemos, sem exceção, a uma irmandade, que nos conhecemos todas e que queremos exatamente as mesmas coisas. Talvez eu seja uma mulher que prefere estar fora de todos e quaisquer armários, contudo, há quem goste de ter a sua vida organizada em gavetas, abrindo-as o suficiente para que se veja uma pequena parcela do que tem guardado e teria sido sempre assim, independentemente de ser lésbica, vendedora da praça ou hétero [inserir aqui outras opções].

Posso ter estado numa relação de sete anos, sem que ninguém no trabalho soubesse, pois não sinto a necessidade de falar das minhas relações mais íntimas; há quem prefira dialogar sobre os passeios com a namorada e que planeie o seu casamento, pensando em convidar metade do departamento de contabilidade; outras querem partilhar alguns assuntos, mas têm vergonha. Receiam.

Respeitando a forma de estar de cada uma de nós, reflitamos sobre quem vive só, com ou sem filho/as e que anseia pela socialização que a Covid-19 nos roubou, sufocadas pelas despedidas que ficaram por fazer e pelos gritos que queríamos dar junto ao mar. Estando acompanhadas, vivendo na bolha da sua relação familiar e nuclear, vivemos desafios iguais e totalmente díspares. Queremos lá saber da prenda para o dia das namoradas, se nos falta dinheiro para comprar comida! Só me apetece dizer palavrões, por isso vou correr, sozinha, para arejar as ideias, muito embora me doam as virilhas (a minha PT do Youtube diz que são os adutores) e eu que preciso tanto delas, para os tais romances tórridos.

Nesta fase tão incerta, que se lixem os armários e as orientações, queremos é companhia e um abraço. Sou vermelha, mas festejarei qualquer vitória futebolística convosco, não importa as cores, inclusivamente com as ex-namoradas que desapareceram das minhas redes sociais. O que queremos é a festa em si, é a festa toda, é a festa livre!

MLS